Enquanto os termos ‘refugiado’ e ‘migrante’ podem parecer similares, eles têm significados distintos e confundi-los pode ter sérias consequências para a vida e a segurança de pessoas refugiadas. As definições guardam diferenças fundamentais entre si, pois cada uma corresponde a uma série de direitos e deveres próprios.
Qual a diferença entre refugiados e migrantes?
A Lei Brasileira de Refúgio (Lei No. 9.474/1997) considera como refugiado “todo indivíduo que deixa seu país de origem devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, ou devido a uma situação de grave e generalizada violação de direitos humanos em seu país de origem.” Em outras palavras, são refugiadas aquelas pessoas que foram obrigadas a sair do seu país de origem – e não podem regressar a ele- porque sua vida corria perigo e/ou não podiam exercer seus direitos humanos fundamentais, tais como saúde, educação, liberdade, segurança, entre outros.
Por outro lado, os migrantes são pessoas que deixam seus países de forma voluntária, geralmente em busca de melhores condições de vida. Eles podem retornar ao seu país de origem sem riscos à sua integridade e contam com a proteção de seu Estado.
Mesmo compartilhando algumas características comuns, refugiados e migrantes são grupos distintos, definidos por diferentes normas.
Por que diferenciar refugiados e migrantes?
É importante diferenciar “refugiados” e “migrantes” para manter a clareza sobre as causas e o caráter dos movimentos, bem como destacar os direitos devidos às pessoas refugiadas. Tratar as duas definições como sinônimos retira o foco de proteção legal e das necessidades específicas das pessoas refugiadas. Solicitantes da condição de refugiados, refugiados e migrantes regulares têm direito a todos os serviços públicos, como acesso à educação, saúde, permissão para trabalhar e atendimento da assistência social. Da mesma forma, os refugiados reconhecidos pelo Comitê Nacional de Refugiado (CONARE) recebem uma residência permanente no Brasil. Entretanto, somente aos solicitantes da condição de refugiados e aos refugiados é outorgada a proteção internacional, o que implica que alguns direitos e garantias se aplicam de forma diferente para refugiados e migrantes. Veja na tabela abaixo:
SITUAÇÃO | PESSOAS REFUGIADAS | PESSOAS MIGRANTES |
Convenções Internacionais, Leis e Portarias | Os refugiados são amparados pelo Direito Internacional, embasado na Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, no Protocolo de 1967, na Convenção de Cartagena de 1964 e em outros tratados internacionais. No Brasil a Lei No. 9.474/ 1997 é a Lei brasileira de refúgio. | Os migrantes não são amparados por uma Convenção internacional e dependem das leis e procedimentos internos de cada país. No Brasil, os direitos e deveres dos migrantes estão estabelecidos na Lei No. 13.445/2017. |
Não-devolução para o país de origem | Refugiados e solicitantes da condição de refugiado não podem ser devolvidos ao país aonde sua vida e direitos humanos fundamentais correm perigo, a menos que eles representem um sério risco à segurança nacional ou à ordem pública no Brasil. | A pessoa migrante pode ser devolvida para seus países em circunstâncias definidas por lei e mediante avaliação pela autoridade de fronteira. |
Extradição (entrega pelo Estado Brasileiro de uma pessoa estrangeira investigada, processada ou condenada por crimes a um país que reclame) [1]. | A pessoa reconhecida como refugiada não poderá ser extraditada pelos fundamentos que motivaram a perseguição no país de origem. A solicitação da condição de refugiado suspende qualquer processo de extradição pendente, até decisão definitiva. | Não há suspensão do trâmite do processo de extradição para as pessoas migrantes. A análise do pedido de extradição depende exclusivamente do Supremo Tribunal Federal e o status documental não interfere na decisão. |
Expulsão por crime cometido no Brasil | O refugiado não será expulso do Brasil por cometimento de crime, salvo por motivos de segurança nacional ou ordem pública. Ainda assim, a expulsão não pode acontecer para lugar onde sua vida, liberdade e integridade possam estar em risco. | O migrante poderá ser expulso do Brasil por cometimento de crime comum doloso, entre outros, desde que não seja para onde sua vida, liberdade e integridade possam estar em risco, conforme avaliação da autoridade de fronteira. |
Deportação por irregularidade documental no Brasil | Refugiados e solicitantes da condição de refugiado não podem ser deportados ou multados por estarem indocumentados ou com documentação brasileira vencida. | Para migrantes a permanência irregular no Brasil pode gerar multa e deportação caso a pessoa migrante não regularize sua documentação no Brasil, ou não deixe o país no prazo estabelecido. |
Entrada e admissão no território nacional | A ausência ou falsidade de documentos, vistos ou autorizações de entrada, desde que justificadas sem demora, não constituem impedimentos para uma pessoa em necessidade de proteção ingressar no território brasileiro. Procedimentos administrativos ou criminais devido ao ingresso irregular devem ser suspensos e, se confirmada a condição de refugiado, arquivados. | Migrantes devem buscar meios regulares de entrada no território brasileiro, inclusive solicitando visto para chegada, quando necessário. |
Requisitos necessários para o processo de documentação | Não é exigido qualquer tipo de documento do país de origem para solicitar o reconhecimento da condição de refugiado. Porém, recomenda-se apresentar às autoridades, sempre que possível, quaisquer documentos que possam servir a comprovar nacionalidade, violação de direitos e perseguições. | A solicitação de residência depende da apresentação de documentos do país de origem, sem os quais o pedido não pode ser feito. |
Prazo para dar início ao processo de documentação | É recomendável que se busque a solicitação de reconhecimento da condição de refugiado o quanto antes, mas não há um prazo definido e não há incidência de multa ou outra penalidade. | O migrante possui um prazo estabelecido para se regularizar, em geral de 90 (noventa) dias após a entrada. A não observância do prazo pode sujeita-lo à imposição de multa. |
Flexibilização documental | Estão dispensados de apresentar documentos emitidos pelo país de origem (passaporte, certidão de nascimento etc.) para todos os atos da vida civil, perante órgãos públicos ou empresas privadas, tais como casamento, matrícula escolar e abertura de conta bancária. Essa flexibilidade existe por se considerar que os refugiados deixaram o país de origem por motivos de perseguição ou violação de direitos, e não podem ou não querem manter vínculo com as autoridades do país de origem, e buscá-las para emissão de documentos em caso de necessidade. | Devem apresentar documentos emitidos pelo país de origem para atos da vida civil, como certidão de nascimento, certidão de casamento, passaporte, etc. Por serem migrantes considera-se que tenham acesso a documentação pelo país de origem. |
Revalidação de diplomas | Possuem facilitação dos processos de validação de diploma e demais certificados de estudos. A depender de cada universidade ou outra instituição de ensino, a facilitação pode ser pela substituição do processo de validação por prova ou trabalho avaliativo, a dispensa de tradução de documentos e/ou a isenção de taxas. | Para migrantes, a facilitações dessa natureza vão depender das políticas de cada universidade que podem incluir ou não pessoas migrantes como beneficiários dos processos. Além disso, não há previsão na Lei da Migração sobre esse tipo de apoio. |
Passaporte | Os refugiados reconhecidos no Brasil têm direito à emissão de passaporte pelo governo brasileiro. Esse passaporte é comumente conhecido como “passaporte amarelo”. | Não há garantia de emissão de passaporte pelo governo brasileiro para migrantes vivendo no Brasil. A Polícia Federal poderá emitir o passaporte em situações excepcionais. A avaliação é feita individualmente. |
Naturalização (aquisição de nacionalidade brasileira) | Para a aquisição da nacionalidade brasileira o prazo é de 04 (quatro) anos contados a partir da data da solicitação de reconhecimento da condição de refugiado. | O prazo é de 04 (quatro) anos contados a partir da data da autorização de residência por tempo indeterminado, recebida em geral após 2 anos de autorização de residência temporária. |
Trazer familiares para o Brasil | Pessoas reconhecidas como refugiadas têm direito a solicitar visto de reunião familiar para que membros de sua família possam viajar ao Brasil. O visto pode ser solicitado logo após o reconhecimento da condição de refugiado. | Somente familiares de pessoas com autorização de residência por prazo indeterminado (isto é, após os 02 anos de residência temporária no Brasil) podem ser beneficiados pelo visto de reunião familiar que permite que familiares viagem para o Brasil. |
Estabelecer a família no Brasil (Reunião Familiar) | Os familiares de pessoas reconhecidas como refugiadas podem solicitar a permanência no Brasil, seja pela solicitação de residência para fins de reunião familiar ou pelo pedido de extensão da condição de refugiado. Para pessoas refugiadas, a lista dos familiares que podem ser beneficiados pela extensão é mais ampla que para migrantes, considerando linha colateral até quarto grau e parentes por afinidade. | Apenas pessoas migrantes que possuem autorização de residência por prazo indeterminado (após 2 anos de autorização de residência temporária.) podem solicitar autorização de residência para fins de reunião familiar para membros de sua família que já estão no país. A lista de familiares que podem ser beneficiados é mais reduzida. |
Documento de Identificação | Para solicitantes de reconhecimento da condição de refugiado: Protocolo de refúgio e Documento Provisório de Registro Nacional Migratório (DPRNM), que são documentos provisórios e devem ser renovados a cada ano. Para pessoas reconhecidas como refugiadas: Carteira de Registro Nacional Migratório (CRNM), que tem validade por prazo indeterminado. Até 2017, a CRNM chamava-se Registro Nacional de Estrangeiro (RNE). | Carteira de Registro Nacional Migratório (CRNM). Em alguns casos, a CRNM garante inicialmente uma autorização de residência temporária, com validade de 2 anos, podendo ser renovada por prazo indeterminado, se cumpridos alguns requisitos. Até 2017, a CRNM chamava-se Registro Nacional de Estrangeiro (RNE). |
Tempo de Espera | A emissão do documento provisório (Protocolo de Refúgio) é imediata e garante situação regular no Brasil. Contudo, a Lei Brasileira de Refúgio não estabelece um prazo para a conclusão do processo de reconhecimento da condição de refugiado. O CONARE possui procedimentos acelerados e simplificados para determinados perfis ou nacionalidades. | A Lei de Migração não estabelece um prazo para a conclusão do Registro Nacional Migratório. Se preenchidos todos os critérios e se os documentos exigidos forem adequadamente apresentados à Polícia Federal, o registro e a emissão do documento é feito imediatamente na Polícia Federal. |
Autorização de viagem | A pessoa solicitante de reconhecimento da condição de refugiado deve comunicar ao CONARE viagens para o exterior, para garantir seu interesse na continuidade do processo assim que retornar ao Brasil. A pessoa refugiada, na maioria dos casos, pode viajar ao exterior sem uma autorização oficial do Governo Brasileiro, desde que use o Passaporte emitido pelo governo brasileiro para Estrangeiros (passaporte amarelo). Há, entretanto, três situações em que deve ser solicitada autorização de viagem: Quando a viagem for ao seu país de origem; Quando a viagem, para qualquer destino, tenha duração superior a 12 (doze) meses; Quando usar o passaporte de seu país de nacionalidade. | A Lei de Migração não exige solicitação de autorização de viagem para migrantes residentes no Brasil. |
[1] Fonte: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-protecao/cooperacao-internacional/extradicao